Os movimentos sociais diante dos impactos das emergências climáticas sobre a saúde

De Mapa Mov Sa�de
Evento-Bahia
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O Auditório do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, recebeu nos dias 30 e 31 de outubro os Encontro Ciência, Saúde e Participação Popular. Organizado pelo Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde (MapaMovSaúde), em parceria com o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a Cooperação Social da Fiocruz.

O evento debateu as emergências climáticas, que já transformam o presente e impactam profundamente a saúde e as condições de vida das populações. Secas, enchentes e ondas de calor extremo têm revelado, de forma cada vez mais evidente, que a crise ambiental é também uma crise social e sanitária, que exige respostas urgentes, solidárias e democráticas.

Destacando a importância da educação popular e a necessidade de aproximar ciência de saberes tradicioanis, as práticas dos movimentos sociais e a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), André Lima, representando a Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, apresentou a Oficina-Assembleia do Mapa dos Movimentos Sociais em Saúde. “O principal desafio hoje é garantir o direito a existir, especialmente nos territórios historicamente silenciados”, apontou.

Diretora adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), Joilda Nery, destacou a relevância da parceria entre as instituições realizadoras. "O ISC é parte constituinte do Cebes. É uma parceria profícua receber a Fiocruz e o MapaMovSaúde, bem como todos os movimentos sociais presentes", ressaltou. Em seguida, o presidente do Cebes, Carlos Fidelis, iniciou sua fala lembrando que o país não pode naturalizar o horror vivenciado dias antes na operação odo Governo do Estado do Rio de Janeiro que gerou mais de 100 óbitos. “A gente não pode negar, não pode ignorar o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Se hoje estamos de luto, isso não significa que paremos de lutar”.

Fidelis destacou tal ação como tentativa de capturar a potência criativa e solidária do povo brasileiro, observada nas cinco regiões onde o MapaMovSaúde vem promovendo encontros, e reforçou a importância da ação coletiva como força de resistência. “Em todos os lugares do Brasil há gente como a gente. Nós não estamos sós, somos a maioria”.

Em seguida, a coordenadora do MapaMovSaúde, Lucia Souto, ressaltou que as cenas de violência estatal no Rio de Janeiro “não são fato isolado, mas parte de uma agenda autoritária, de um golpe continuado” que naturaliza a violência e manipula as emoções da saociedade.

“Precisamos estar atentos e fortes para enfrentar esse projeto de destruição dos direitos e da democracia”. Lucia convidou Jairnilson Paim e Naomar Almeida Filho a comporem a mesa da Oficina-Assembleia do MapaMovSaúde.

Professor emérito da UFBA, Paim situou a disputa de projetos para a saúde, entre a reforma democrática do Estado e o avanço mercantil da saúde. Ele alertou para a persistência de tendências autoritárias e neofascistas, alimentadas pela desconfiança nas instituições. Para enfrentar esse quadro, defendeu “clareza teórica” e acúmulo de evidências sobre como pensam e sentem as maiorias populares. Segundo Paim, mais da metade da população se divide entre “desengajados” e “cautelosos”, frequentemente tragados por narrativas conservadoras como as da meritocracia, do individualismo, da competição e da prosperidade. “Estes invisíveis precisam ser vistos. Por que o povo, muitas vezes vota em seus inimigos?”, provocou.

No campo do SUS, Paim retomou a tensão público-privada e destacou que o sistema público opera em desvantagem estrutural frente à saúde suplementar. "Muitas vezes nós ignoramos, esquecemos que existe o privado, e eles mandam e estão mandando cada vez mais", comentou, antes de defender a necessidade de regulação robusta que priorize o interesse público e organização de base nos territórios. “A saída passa por política e regulação. Precisamos continuar contra a naturalização desse sistema de saúde desigual e injusto, apesar de termos o SUS, de termos uma democracia, não como a queríamos, mas que está sendo possível”.

Também professor da UFBA, Naomar Almeida Filho ressaltou o ambiente digital como aquele com capacidade de converter, armazenar e transmitir sinais (som, imagem, dados) em código binário, permitindo presença múltipla e ubiquidade. “O digital já está na saúde desde quando o SUS começa. Já havia uma inserção de tecnologias e sinais de comunicação, reprodução de imagens, detecção de padrões e tomadas de decisão que têm componentes digitais”.

De acordo com ele, essa infraestrutura reconfigurou prontuários, fluxos de informação e expandiu a telesaúde/telemedicina, especialmente na pandemia, reduzindo barreiras territoriais de acesso.

Diante deste poder, Naomar alertou para a centralidade das Big Techs na "Economia Política" da era digital, que promove a individualização radical mediada pelo smartphone. Diante disso, sugeriu que "as regulações passam desde escolhas sobre protocolos de transmissão de dados, até formas de uso. Por isso que os departamentos jurídicos dessas Big Techs são maiores e mais poderosos do que os departamentos de criação tecnológica”.

Organização dos movimentos sociais

A conjuntura debatida na mesa aponta para a necessidade de melhor interlocução dos movimentos sociais. Diante disso, foi unânime a avaliação da necessidade de fortalecer ferramentas como MapaMovSaúde.

Lucia Souto lembrou, por exemplo, que o SUS é fruto da mobilização popular. "A 8ª conferencia foi uma constituinte popular da saúde", afirmou. "O nosso lado sempre será o do SUS e do direito à vida. Não existe SSUS nem mudança sem a garantia da reconhecimento daqueles que precisam ser ouvidos", afirmou Marcos Gêmeo, do Conselho Estadual de Saúde da Bahia. Essa voz pode ser compartilhada e gerar redes de colaboração na plataforma do MapaMovSaúde, colaborando para a formulação de políticas públicas.

Foi o que lembrou Luis Eugenio de Souza, diretor do ISC/UFBA. "O trabalho do MapaMovSaúde importantíssimo, pois no Brasil e no mundo, os governos por si sós estão se mostrando incapazes de resolver questões como as emergências climáticas", comentou Souza. O aprofundamento da democracia se faz necessário para ultrapassar as iniquidades desde o período colonial, como lembrou Fidelis. "Nosso país traz uma marca de nascença. Um país que começa com o genocídio dos povos originários por uma elite do atraso, que vive de moer pessoas e sonhos", lembrou.

Souza ressaltou que "os governos, por si só, estão incapazes de resolver os nossos problemas, inclusive a emergência climática. Estamos chegando na COP 30, a 30ª conferência das partes, e vemos que os países assinaram vários acordos, começando lá no Rio de Janeiro em 1992, depois o Protocolo de Kyoto, depois o Acordo de Paris, acordos importantíssimos que, no entanto, não saíram do papel. Todas as metas foram descumpridas, e não tenho nenhuma dúvida se não se não forem os movimentos sociais a pressionarem fortemente os governos, mesmo os governos mais progressistas que vivem sob situações de chantagem feitas pelas grandes empresas, nós não avançaremos no enfrentamento das emergências climáticas que afetam todo mundo, mas como a gente sabe, afetam mais aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social e que menos contribuíram para causar essa crise".

Magna Caimbé, do semiárido nordestino, defendeu a necessidade de articulação entre o conhecimento científico e os saberes tradicionais para o enfrentamento da crise climática e seus impactos sobre a saúde. " Eu venho representar a voz do meu povo, trazendo os saberes que atravessam gerações, construindo construídos no cuidado com a terra, na cura pela palavra, na força dos rituais, na medicina tradicional que sustenta nossos corpos e nossos espíritos. Estar aqui é reafirmar que a saúde para nós, povos indígenas, é território, é cultura, é espiritualidade e vida coletiva. É defender que o conhecimento ancestral caminha lado a lado com o conhecimento acadêmico, sem hierarquias, mas em diálogo vivo e necessário", defendeu.


Assista na íntegra

O evento está disponível para ser assistido na íntegra - confira em:

Oficina-Assembleia do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde

https://www.youtube.com/live/TD9kC23BnMA

Dia 2 Manhã | Encontros Ciência, Saúde e Participação Popular

https://www.youtube.com/live/KvRHbdxms2U

Dia 2 Tarde | Encontros Ciência, Saúde e Participação Popular

https://www.youtube.com/live/EYTjYqKNa0g