“Ainda que restem somente ruínas, cuidaremos delas.”
Susan Sontag
Lançar a semente em terreno fértil, não basta; é preciso regar, tirar as pragas, proteger do vento e do granizo; podar e adubar; conversar e agradecer o privilégio de participar desse milagre... esse é o alimento da Alma; então essa semente nos presenteia com o fruto que alimenta o corpo e fecha o círculo do ofício CUIDAR para existir.
Quando a fêmea leva comida ao bico do filhote, ou quando o macho protege a cria dos predadores; ou quando a mãe aconchega o filhote entre as patas, para que ele conheça o poder do Amor e não tema o chamado da Vida... eles estão cuidando, para que a Vida continue seu ciclo sagrado e vença a Morte e o Abandono.
Cuidar é um ato de Amor, não aquele amor romântico de Neruda; mas o Amor que é potência transformadora, aquele amor que nasce da Compaixão e da Responsabilidade. O Amor que sustenta e possibilita o ofício de existir, com toda sua magia e dor. O Amor compromisso com nós mesmos e com o outro, com a dignidade, a memória, o respeito às limitações, esperança, sonhos, ilusões, crenças... e feridas abertas daqueles que compartilham conosco este tempo e espaço.
Nada no Universo sobrevive sem o ato de Cuidar, tudo que vive precisa de cuidados, tudo que vive precisa de alguém que cuide.
O bebê precisa da mão que leva papinha à boca; a criança de alguém que segure sua mão, para desenhar as primeiras letras e os primeiros sonhos; o jovem precisa do olhar atento que transforme seu medo em desafios e força; o idoso precisa do braço que ampare seus passos, do ouvido atento que ouça suas histórias, ainda que contadas milhares de vezes, de alguém que o convide para as festas e para continuar produzindo...
O Cuidador é o pilar que sustenta a Vida.
Vivemos um tempo onde a hipervalorização das individualidades – “sou dono de mim”; “eu não preciso de ninguém”; “empreendedor de si mesmo”... – e tudo isso pode nos levar ao pedregoso terreno da auto suficiência e solidão.
Como construir a Cultura do Cuidado, se o cuidador é invisível e nunca é convidado para a Festa da Vida?
Precisamos do outro para mantermos a sanidade, para produzirmos beleza, para experimentarmos o milagre do encontro e permitirmos que o olhar do outro melhore e amplie o nosso; para ressignificarmos a Vida e checarmos nossas certezas voláteis.
Estamos todos conectados com tudo que pulsa, e esse é nosso maior tesouro e desafio... Mas a tarefa de cuidar para que esse tesouro não se transforme em pesadelo, esse desafio não se torne obstáculo intransponível está nas mãos de poucos.
Quem é o cuidador familiar?
É aquele que empresta o tempo que não tem; faz o que não sabe; renuncia a si mesmo para acolher o outro – seja gente, bicho, comunidade... e se alimenta de migalhas de gratidão e reconhecimento – “parabéns, obrigada por fazer o que eu não tenho tempo; você é um anjo, Deus vai te recompensar” ...
O cuidador está doente, abriu mão de si para ficar no lugar de alguém amado; está sozinho, nem sabe mais quem era antes de adoecer e os sintomas dessa doença são solidão, culpa, remorso, insônia, medo, revolta, cansaço crônico, dores nos músculos e juntas, depressão, vazio, saudades... como se tudo aquilo que fazia sentido e sustentava a vida, de repente fosse implodido e todos os pedaços estão espalhados no chão, à espera de uma mão amiga que o ajude a recolher esses destroços.
O Cuidador é aquele que não pede – “Cuida de mim!” – porque já esqueceu que é humano e precisa de ajuda, é aquele que vive por alguém que ama, um irmão (os humanos são uma imensa família), mas cuidar é mais amplo e nos remete ao desafio – Quem cuida de quem cuida?
Talvez um Grande Cuidador ou um Grande Irmão... Aquele que ouve atentamente o pedido de socorro, daqueles que gritam todos os dias, e também, o silêncio sufocado daqueles que não gritam mais porque não tem forças, ou Aquele que enxerga os invisíveis, os excluídos, aqueles que já não sabem que fazem parte dessa família, sequer lembram que são humanos.
Esse Grande Cuidador é Aquele que permite que o bebê seja protegido e cuidado desde o momento em que a coração pulsa pela primeira vez, dentro da mãe; Aquele que proporciona à criança Educação, Segurança, Brincar de roda e ninguém solta a mão;
Aquele que ouve o jovem e possibilita que os sonhos imensos se tornem realidade, com acesso à Trabalho, Profissionalização, Comida, Segurança;
Aquele que respeita o adulto e além de “oferecer a vara para pescar”, também dá peixe para quem não tem braços, mantém o rio limpo para que existam peixes para todos; protege o “pescador”, o peixe e rio e assim, possibilita que haja Vida em abundância;
O Grande Cuidador entende que velho não é uma máquina quebrada, que deve ser descartada, mas um irmão (ops. Cidadão) que carrega preciosa carga de ensinamentos, provas, diplomas e tornou-se Mestre na Escola da Vida.
Aquele que entende que lugar de velho não é no sofá para esperar a morte, e mais do que um braço que o apoie, ele precisa que o Grande Cuidador crie condições para que ele produza, socialize, tenha acesso à Saúde, Segurança, Lazer, que aprenda, ensine e continue exercendo o Ofício de Existir com Dignidade e Felicidade.
Somos habitantes de um planeta que é o nosso Lar; cada casa, cada cidade, país é apenas um cômodo desse imenso Lar, portanto somos uma família. Moramos no mesmo Lar e compartilhamos do mesmo ar e esperanças.
Cuida de mim! – Não é lamento é um grito que ecoa em cada canto deste planeta, e espero que o vento leve esse grito aos ouvidos daqueles que deveriam cuidar de quem cuida e de quem é cuidado.